7 de nov. de 2012

Boa noite




Boa noite

Então tá combinado:
um coquetel de cápsulas
meia hora antes de deitar
que é pra não ficar pensando
na morte que nos assombra
nas carnes expostas em açougues
no perfume de teus cabelos
na amante secreta de Bertold Brecht
– que trabalhava até tarde
numa estação de trem em Hamburgo.

Meia hora antes pra não pensar
nas asas dos abutres
no grito dos soldados
no eco das cordilheiras
no rosado de teus seios
nos camelos do Saara
na corda assassina
em torno de Herzog
no compasso do balé
no cheiro dessas ruas.

Pra não mais pensar
na lira dos anjos
no poema que Ricardo Reis
perdeu para um vento
– que o apanhou de surpresa
e o levou para sempre consigo –
nos santos das igrejas
em barcos à deriva
no piano de Villa-Lobos
nos riscos das florestas e rios.

Pra não mais ficar pensando
na solidão dos astronautas
e dos condutores do metrô
na saga dos cavaleiros
no berro dos torturados
nas flautas andinas
nas cenas de Almodóvar
no porto de Gdansk
no teu ronco surpreendente...
combinado então: boa noite.




5 comentários:

Anônimo disse...

Oi, Alvisss!
Não fossem os delicados versos que se entremeiam a outros os quais revelam cenas tão horrendas, tão brutais, eu diria que _ não fossem eles, eu lembro! _ o melhor ainda seria a overdose, que, aliás, é rápida, não dura nem meia hora...
Mas a esperança e a simplicidade, e o amor, e a beleza existem! Os versos entremeados para apaziguar tanta brutalidade também existem!
Gracias!
Lindo!
Bj, Tê!

Anônimo disse...

T, minha querida
tudo isso não é casual...em meio a delicadezas, explodem murros...se a vida é um pouco assim, que a arte a possa refletir.
beijo do Alvaro

Andréia Pires disse...

Gosto, gosto, gosto!

Andréia Pires disse...

Gosto, gosto, gosto!

Marisete Zanon disse...

Belíssimo!