26 de ago. de 2009

Caetano Veloso versus movimento estudantil engajado

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Caetano Veloso versus movimento estudantil engajado


Talvez o título da presente reflexão sobre um momento específico da cultura e política do Brasil seja um pouco exagerado. Talvez se possa afirmar que não havia exatamente um versus, muito embora Caetano, costumeiramente polêmico, tratasse a questão de um modo mais duro, até como reação às vaias que lhe haviam sido dirigidas em um primeiro momento – e também a Gil, então amigo, parceiro e companheiro inseparável.
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Vivíamos um dos momentos mais difíceis de nossa história. O regime militar fechava o cerco, prendia, torturava e matava estudantes, operários, intelectuais. Setores importantes do movimento estudantil que freqüentavam os festivais – que revelariam, alguns imediatamente, outros somente alguns anos mais tarde – possivelmente a mais brilhante geração de músicos e compositores de nossa história, entre os quais Chico Buarque, Caetano, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Edu Lobo, Ivan Lins, Geraldo Vandré, Tom Zé, Elis Regina, MPB4, Sergio Ricardo, Taiguara, Paulinho da Viola, Marcos Vale, Betânia, Gal, Nara Leão, Jair Rodrigues, Téo de Barros, Renato Teixeira, Rita Lee...
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O que boa parte dos estudantes da época queria era que esses artistas voltassem seu olhar crítico e sua arte para um Brasil então medonho, injusto, sanguinário.
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Enquanto isso, o grupo que fundaria o Tropicalismo – em especial os baianos Gil, Caetano e Tom Zé – voltava suas antenas para outras terras, como Paris, onde os estudantes bradavam frases provocadoras, do tipo é proibido proibir... que o próprio Caetano utilizou em emblemática canção sua. Já os Estados Unidos da América viam nascer a geração hippie, que pregava paz e amor, combatendo a ultra-violência e a covardia comandadas pelo imperialismo norte-americano, que na época voltava o alvo contra qualquer iniciativa que pudesse ocorrer em prol do socialismo e do comunismo, inimigos mortais dos EUA, que atacavam barbaramente o Vietnã, com milhares de mortes – tanto de soldados americanos quanto do próprio povo vietnamita. Desmoralizados, porém, desgastados e... derrotados, os EUA finalmente retiram suas tropas de lá...
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Cresce o descontentamento com relação aos EUA lá dentro mesmo. A luta era intestinal, fazendo afirmar-se a contracultura (inclusive através dos hippies). De maneira que o chamado modo de vida americano... e seu cinismo, e a suposta liberdade, e o acúmulo de dinheiro (de um povo por esse mesmo dinheiro escravizado) parecia estar mesmo com os dias contados. Os hippies, ao valorizar a cultura inclusive das ruas e ao desapegar-se à grana, pretendiam um definitivo basta à caretice.
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Em meio a tudo isso, porém, aqui, os caras não vaiavam Caetano e Gil, sabidamente grandes artistas, por vaiar. Mas por entender que eles pareciam desligados do Brasil real, latente, covarde, cruel.
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Não era apenas contra as guitarras. Até porque guitarras são apenas guitarras. Entretanto, muitos desejavam que as forças todas fossem dirigidas contra esse Brasil torturador. Verdade que os caras se identificavam bem mais com os violões de Chico e Vandré, por exemplo. Que enfocavam aquele Brasil, e utilizavam formas e instrumentos mais tradicionais que nos afirmavam. Talvez no fundamental, fosse muito mais uma atitude quase desesperada contra a possível alienação, quando aquele momento como que exigia atitude e alguma coragem. Era preciso, portanto, na ótica daqueles estudantes, que as artes em geral, e possivelmente a música em particular, até por seu alcance, refletissem aquele país. Uma arte atenta. Num certo tom de denúncia.
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O Tropicalismo surgia como uma espécie de adequação temporal – 4 décadas após – do movimento Modernista, que havia sacudido o Brasil. Era preciso, na ótica dos Tropicalistas, voltar a sacudi-lo. A ligá-lo ao resto do mundo, culturalmente.
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Mas Gil, com Domingo no parque, e Caetano, com Alegria alegria, realmente fizeram acontecer. Para construir carreiras geniais, consolidando-se como compositores e letristas da mais alta qualidade. Como o próprio tempo soube provar.
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Sugestões: o livro Verdade tropical, de Caetano, além de inúmeras alusões ao tropicalismo na internet.
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Matéria jornalística sobre o movimento do Tropicalismo

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